Fragmento de - Aqueles que Ficam "Those Who Stay"
[...]
Ele olhou para baixo.
Eu segurei tudo que podia. E foi em vão.
As lágrimas: duas ou três me escaparam e fizeram-me sentir na face o toque gelado daquela segunda feira nublada de inverno.
O silêncio: rasgado de forma constrangedora pela minha e a respiração dele. E os carros que começaram a passar lá fora naquela manhã.
O frio: Chicoteava meus braços, peito e costas à cada passagem de vento que vinha das janelas na sala e no meu quarto. Pareciam baldes de água fria e me faziam tremer.
Os Pensamentos: Olhava para ele. Nós dois praticamente estáticos e eu pensava se era apenas mais uma crise. Não era. Ele sabia. Eu sabia. Como ele não tremia?
Ele levantou a cabeça. E com olhos dolorosamente solitários e um quarto de sorriso no canto da boca
entregou tudo que ele estava segurando até meio segundo atrás:
- Eu vou.
Então se virou. E não tinha mais sorriso algum.
Não tinha mais ninguém ali.
Só a porta aberta.
E eu.
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Eu nunca mais o vi. Soube que ele tinha se alistado. Muitos garotos novos desejosos de provar seu valor e defender a nação davam seus nomes nos postos de alistamento que naqueles dias existiam praticamente em qualquer esquina. Outro grupo que fazia o mesmo movimento - mas por motivos menos nobres - eram os dos desesperados e miseráveis. Ele já não era mais um garoto.
Passaram-se anos até que eu tivesse qualquer outra notícia. Ergueram um memorial em homenagem aos jovens locais que tinham dado suas vidas pela nação na conquista da soberania. Eu já tinha voltado ao meu velho hábito de me distanciar ao máximo dos mortais.
Admito, hoje, que não era a única razão de ter demorados meses para ler os nomes naquele belo - porém morbidamente cinzento - cubo de mármore. A porta aberta ainda me fazia companhia de alguma forma. Eu a deixará assim e nunca me importei de fecha-la. Hoje eu entendo que daquela forma o movimento que ele fizera nunca se findou de fato. Para mim e apenas para mim, é claro. Eu também não me permitia sentir coisa alguma que fosse, muito menos frio.
E pouca coisa eu senti quando li o nome dele entre tantos outros insignificantes para mim naquele pedaço de pedra que, uma hora ou outra, também retornaria ao pó. Pouca coisa diferente do que aquilo que eu me permiti sentir pelos anos desde a sua partida: O que era a tristeza para uma existência que se tornou melancólica?